Pontos principais da participação de Deivison Mendes Faustino “Nkosi”, sociólogo e professor UNIFESP, no dia 11/11/2016
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A palestra partiu de uma reflexão sobre “Homens negros, masculinidades e racismo”.
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O termo “genocídio” é problemático pelas implicações normativas que o Estado não vai assumir e pela restrição à juventude negra. Para Abdias Nascimento, porém, não há outro termo: estamos sim diante de um verdadeiro genocídio.
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O genocídio deve ser visto além do assassinato de jovens. Há um genocídio cultural, econômico, há o encarceramento em massa, a falta de acesso às políticas públicas... há assim um genocídio mais global da população negra.
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Masculinidade nasce a partir do debate feminista. O gênero pode ser uma grade: padrões estabelecidos pela cultura que limitam nossa humanidade. As expectativas do ambiente quanto ao que corresponde aos gêneros (estereótipos) nos constrangem.
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Homem negro é homem, também, e não foge disso: ou seja, a inferiorização da mulher.
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Temos uma sociedade marcada pelo racismo onde não só gênero, mas raça é discriminador.
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Nem sempre o feminismo negro se alinhou ao feminismo dominante.
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Relação gênero-raça, racialização: como separamos menino e menina em caixinhas de comportamentos diferentes a aceitáveis, assim também separamos negros e brancos, nas associações e nos estereótipos (ex. branco-razão e negro-emoção; branco-administrador onipotente e negro-criado híper-masculino; branco-mente e negro-corpo; branco-pensar e negro-dançar; branco-superego e negro-id).
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Tudo isto não se sustenta historicamente ou antropologicamente: quem falou que rosa é delicadeza e azul é força?
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Branco é apresentado como expressão universal de humanidade, como referência normativa do que é ser humano (ex. Lápis cor de pele). Os outros não são humanos ou menos humanos. Um tipo específico de humano é tido como modelo.
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Se ser negro não é ser humano, devo me tornar branco.
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A escravidão consolidou a associação do negro com os valores do corpo. Há implicações para negros e brancos.
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“Um homem negro não é um homem, é um homem negro” (Fanon, 2008). Corpo animalizado. King-Kong deriva do Congo. O Rei do Congo é um macaco! Corpo negro que ameaça os outros corpos.
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Faz parte como corpo, como mais corpo, não como humano. Cortava-se o pinto aos linchados...
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Mulher branca = superfeminina; mulher negra = amazona brutalizada, para exploração sexual e trabalho manual escravo. Todos estes são mitos. Servem para a divisão do trabalho, em classes.
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Não se pode fazer análise de gênero sem discutir a racionalização e a hierarquia social na divisão e exploração do trabalho (Cleaver, 1971).
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O negro supermasculino é objeto de desejo da mulher branca superfeminina, assim como o homem branco administrador onipotente quer a mulher negra amazona brutalizada e erotizada, como objeto sexual, e para explorar.
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Na sociedade patriarcal a masculinidade é opressora. Isso se reproduz para brancos e negros.
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“A mulata é para comer, a branca é para casar e a preta para trabalhar”. Estereótipo da sociedade colonial.
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O homem negro castrado deve recuperar o poder sobre si mesmo como macho.
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O que sobra para o negro que não se enquadra no estereótipo de corpo-potência sexual? A violência e o estermínio da juventude negra. Há uma clara conexão entre racismo e sociabilidade violenta. “As interdições provocadas pelo racismo encontram na violência uma força de expressão” (Moura, 1994).
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No genocídio da juventude negra se cruzam gênero, raça e classe. Ele não é apenas resultado da violência policial.
Raízes Histórico-Culturais Do Genocídio Da Juventude Negra
Principais pontos da participação de Márcio Farias, psicólogo e professor da UNIFESP, no dia 11/11/2016
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A escravidão não explica tudo a respeito das relações raciais no Brasil. Precisa olhar os mitos fundadores. Ou então vai precisar mais 300 anos para superarmos o racismo em nosso país.
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Haiti de Gaetano Veloso: “Quase todos pretos, ou quase pretos ou quase brancos quase pretos de tão pobres”. Formação do Estado brasileiro.
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O povo brasileiro feito de quase só não europeus. É preciso avançar na integração plena dessas povos pelo Estado brasileiro, ou criaremos o inimigo interno. No Haiti houve a revolta dos ecravos. Exixte o medo de uma sublevação dos pobres e dos explorados.
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O Estado brasileiro na sua formação tem a coerção como intenção original, sempre de forma violenta na repressão de qualquer forma de revolta.
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Os estereótipos têm o poder de produzir na prática o que preconizam. O discurso se concretiza naquilo que representa.
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O estado-nação brasileiro surge diante do desafio do inimigo interno, fruto das relações sociais da época.
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De escravo a “mau cidadão”, vagabundo, malandro, sem-vergonha, pelo desemprego. A imagem justifica a violência.
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A inserção do negro na cidade se dá de forma periférica.
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Hoje chegam os imigrantes africanos e voltam os mitos fundadores: projeção nestes do que é recalcado com culpa em si.
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O jovem negro pode ser morto por ser negro, sem nunca ter se assumido como negro ou saber que tem desvantagem por ser negro, sem se identificar como negro e ainda ser contra as quotas pois “eu posso, tenho que me valorizar”.
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Por que os negros que chegam a posições de poder e privilégio não apraçam a causa negra? Porque o poder é branco.
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No Brasil o processo de descolonização foi interrompido. A lógica do sistema beneficia as mesmas elites. A estrutura social não muda de fato.
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A miscenização no Brasil serviu como discurso para frear a crítica do movimento negro, como estratégia de immobilismo social.
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A denúncia de racismo no Brasil pelo movimento negro esbarra no discurso “progressista” e mítico da democracia racial na base da miscenização enquanto nos EUA é confrontado pelo KKK.
Aspectos Históricos E Psicológicos Do Genocídios Da Juventude Negra
Estado E Gestão Do Crime
Principais pontos da participação de Gabriel Feltran, sociologo e professor da Universidade Federal de São Carlos:
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A população carcerária do Brasil passou de 26 mil, nos anos 90, para mais de 220 mil hoje. São de 2 a 3 mil presos a mais cada mês.
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A política de segurança pública do Estado de São Paulo gera o aumento da violência, fomenta o crime e a insegurança, pela violência institucional.
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A redução dos índices de homicídios nos últimos anos (há um aumento em curso agora) não foi devida a essa política e sim à ação do crime organizado.
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O que explica esta situação é a dimensão econômica do crime organizado, as relações de mercado, os enormes interesses econômicos e giros de dinheiro, a capacidade corruptora deste dinheiro.
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É um fenômeno presente em toda a América Latina.
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O alastramento da violência nas últimas décadas acompanha o mercado da cacaína que movimenta muito dinheiro, em um contexto de crise econômica.
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Por trás da violência está a briga para regular e controlar os territórios e tráficos deste mercados muito lucrativos, controlados de dentro das cadeias.
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A resposta do Estado é uma polícia agressiva e repressiva de 130 mil homens (obs. O exército brasileiro tem 100 mil) e o encarceramento em massa.
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O atual ministro da Justiça foi promovido para o governo federal por ter aumentado duas vezes em São Paulo os índices de letalidade. É ligado à PM. Hoje a corporação controla a política de segurança da Secretaria. É uma inversão absurda, que dá autonomia à PM.
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É o pensamento militar balizando o pensamento político: essa é a verdadeira militarização! Um grande retrocesso. A lógica militarista a la Bolsonaro. Perigosa. Um dicurso que cola.
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O governo Temer vai se sustentar por ser apoiado nos bastidores por grupos conservadores: evangélicos, ruralistas, armamentistas, capitalistas que tentam expandir sua força política e seus interesses econômicos.
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Os mercados ilegais são estruturados pelos interesses econômicos.
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O menino preso por tráfico é imediatamente substituído por outro: trata-se de um posto de trabalho.
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A política de segurança não só não dá segurança, como produz a violência, a letalidade.
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Inutilidade de culpabilizar o moleque que vende droga, que rouba carros: no Rio de Janeiro 70% das mortes pela polícia é ligado a roubo de carros. Criminaliza-se e estermina-se o jovem que ganha R$ 300 por entregar um carro roubado que contribui para um giro milionário de negócios ilegais.
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Estes argumentos se fundamentam em inúmeras pesquisas, mas não são acolhidos pela sociedade, pela Globo. Não entram no debate público.
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Não é o tráfico que gera a violência, mas a repressão e corrupção das forças da “ordem”, o confronto entre eles, não a ação dos trabalhadores do tráfico nas pontas.
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Mais o argumento se fundamenta e se evidencia, menos chama a atenção.
Pontos do debate:
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Muitos dos meninos que são assassinados pela polícia fazem parte das redes ilegais.
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Há grande participação das polícias no crime organizado. Acertos são feitos a toda hora, em todos os níveis. Corrupção sempre houve.
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Função assumida da segurança pública hoje não é reprimir o crime e sim regular o crime. Por isso, continua-se matando e também fazendo negócios, de vez em quando “mostrondo serviço” com operações escancaradas na mídia, para manter a imagem.
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Esta ambiguidade é funcional: nunca se sabe o que a PM vai fazer e isso dá muito poder a ela diante do crime organizado. A contradição é só aparente. Não se trata de desvio, mas da própria estrutura da segurança pública. Tem hora que é de fato repressão. Tem hora que é de fato acerto.
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Tinha 2.000 internos na Febem, quando foi criada. Hoje tem 10.000.
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Circula no meio judiciário a noção de que as medidas em meio aberto não funcionam e que é para inernar mesmo, com a finalidade de punir não de reeducar.
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Para os jovens da periferia a sociedade vê apenas a contenção ou a formação técnica (como mão de obra barata para o mercado).
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No crime organizado há hoje crescimento da desigualdade interna e perda da ideologia ou “ética” comunitária por falta de força de controle das bases.
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Legalização das drogas reduziria a violência, mas a maior parte da renda de boa parte da economia periférica que opera na informalidade acaba controlada por monopólios. Ex.: a lei de desmonte em São Paulo é uma forma de legalização do mercado ilegal de peças. O mercado oficial incorporando os negócios ilegais.
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O extermínio da juventude negra e a política de encarceração são fruto do populismo penalizador, de uma visão autoritária e racista do “nós contra eles”, “eles” sendo quem rouba, mata e assalta. Menos há deles, melhor para nós.